Ao esfriar o hélio líquido a uma temperatura abaixo de -271 ºC, o
elemento também ganha supercapacidades. Para começar, ele perde toda a
sua viscosidade, ou seja, o seu atrito interno, chegando a possuir menos
resistência do que qualquer gás. Dessa forma, ao ser armazenado com
equipamentos comuns, o superfluido pode escapar pelos minúsculos poros
de uma vasilha e até mesmo escalar suas laterais para escapar da
“prisão”, já que de tão fluído o líquido não possui sequer tensão
superficial.
Apesar de bacanas de serem observados (assista ao vídeo acima), esses
fenômenos não possuem muita aplicação prática. Em compensação, não
podemos dizer o mesmo das capacidades térmicas do superfluido. Se
retirarmos um líquido comum da geladeira, por exemplo, ele esquentará à
medida em que o tempo for passando.
O mesmo ocorre se o fluido for
agitado depois de sair da refrigeração.
Mas com o superfluido, isso não acontece. Ele é capaz de manter a
temperatura absurdamente baixa por um longo período de tempo, sendo
empregado, inclusive, para resfriar os supercondutores espalhados ao
longo dos 27 quilômetros de circunferência que compõem o LHC. Para se
ter uma ideia, a temperatura do “super-hélio” aumenta em menos de 0,10
ºC a cada quilômetro percorrido. Sem o superfluido, seria impossível a
construção dessa máquina.
Por que isso tudo acontece?
Basicamente, esses fenômenos são resultados do mundo quântico, ou
seja, de ações que acontecem dentro dos átomos de um elemento. A
temperatura próxima ao zero absoluto faz com que as partículas
subatômicas (bósons) de um elemento se comportem de maneira que chega a
alterar o estado da matéria, transformando-se no que os físicos chamam
de condensado de Bose-Einstein.
No caso do superfluido, a temperatura baixíssima faz com que os
átomos de hélio acabem se comportando como se fossem um único átomo
gigante, com o menor nível de energia possível. Suas características
estranhas surgem a partir desse momento.
A viscosidade de um líquido é a dissipação de energia por meio da
fricção interna de suas partículas, mas como o condensado já possui o
menor nível de energia possível, ele não tem como dissipá-la ainda mais,
perdendo assim essa característica.
Além disso, se você suspender uma porção desse superátomo, ele acaba
adquirindo mais energia potencial gravitacional, criando uma situação de
desequilíbrio para o superfluido. Assim, o líquido acaba “escalando” as
laterais de um recipiente como forma de voltar ao equilíbrio original.
Os supercondutores também são um condensado de Bose-Einstein, mas por
razões diferentes das do superfluido. Grosso modo, sob o frio
congelante de quase zero absoluto, os pares de elétrons também perdem a
capacidade de dissipar energia e passam a se comportar do modo estranho
que vimos neste artigo.
Sem supermateriais, a construção do LHC não seria possível (Fonte da imagem: Boston.com)
E, de acordo com a revista New Scientist,
isso não é tudo: há estados ainda mais estranhos da matéria. O hélio,
por exemplo, pode ser manipulado até se tornar sólido. Para isso, é
necessária uma temperatura ainda mais baixa (-272 ºC) e uma pressão
atmosférica 25 vezes maior do que a da Terra. Nesse estado, o hélio
bagunça completamente a nossa noção de solidez, permitindo que , sob
condições especiais, esse sólido possa atravessar por dentro de outro,
como se fosse um fantasma passando por uma parede.
Esse fenômeno ainda mais esquisito foi observado, pela primeira vez,
em 2004, por pesquisadores de uma universidade na Pensilvânia. Na
ocasião, eles observaram que uma frequência ressonante na vasilha que
agitava um pouco de hélio sólido se comportava como se houvessem dois
“objetos” lá dentro, que atravessavam um o outro.
Depois disso tudo, esperamos que você consiga dormir novamente. Aqui,
na redação do Tecmundo, ainda estamos passando algumas noites em claro,
pensando em quão esquisito é o mundo quântico e torcendo, ansiosamente,
para que a ciência faça descobertas ainda mais intrigantes.
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